sábado, 15 de junho de 2019




Em alguns momentos, nas nossas relações humanas, temos que ser mais vista grossa do que amparo, mais silêncio do que escuta, mais separação do que se admitir invadir por dores que não nos pertencem.


Às vezes pensamos que ser assim é ser desumano, apático, frio, insensível. Entendemos que se não escutamos, não acolhemos, não compartilhamos da dor do outro, dos problemas de alguém, da carência, estamos sendo individualistas. Mas fato é, que se fechar e se resguardar pode ser uma atitude muito altruísta.


Desconhecer falas impregnadas de rancor, afastar-se de afrontas banais, criar silêncio onde havia uma enxurrada de agonias e expressões é uma forma de anular círculos viciosos, irromper uma energia que não está se transformando, mas apenas se difundindo.


Alguns momentos alguém pode se abrir, falar, desabafar para conseguir auxílio, para se observar de fora, para instruir-se e transformar sua energia. Mas, tantos outros momentos, os desabafos não têm esse tom de transformação, eles são exclusivamente apegos à dor, a vitimização, procurando um ouvido, um coração para fazer morada e legitimar ainda mais essa verdade, esse apego.


Se ouvimos e adentramos na dança, se absorvemos as lamentações, se nos amargamos com os clamores desregrados, se nos impacientamos com afrontas banais, a gente coopera para que a doença se espalhe e desenvolva. Ela ganha potência, ganha confiabilidade, a maré prossegue.


Às vezes, as pessoas desejam se alimentar dessa forma de atenção, às vezes esse fardo que acarretam é a maneira que elas descobriram para se sentir importantes. Mas este é um alimento fraco, sem vitaminas, não consegue os planos intensos da alma. Estes são mantimentos fracos para a alma. Satisfazem por determinadas horas, tomam as crateras das dores, os vácuos existenciais, mas não acarretam modificação e uma paz mais intensa.


A alternativa de alterar a maneira de ver e de ser no mundo, para ser mais leve, autônomo emocionalmente e com uma boa resguarda de amor próprio, demanda aprendizado, consciência, vontade, esforço e prudência constantes.


Nem todos estamos preparados a empreender esse peregrinar. Mas se estamos, se já sabemos se autoconectar e sarar as próprias consternações, com auxílio sim, mas sem dependência total, creio que a gente tem igualmente que atribuir limites, tem que escolher não se oferecer sempre, tem que lavar as mãos e cerrar os olhos para o que não é nosso. Se percebermos que escutar não está auxiliando, que a troca está sendo desequilibrada, que o que está chegando até nós é exclusivamente detrito existencial sem desígnio de ser reciclado, é melhor a gente sair do barco, porque ele está furado.


Muitas vezes não conseguimos cooperar para que as ocorrências se reconstruam e apropriadas energias prosperem. Então que a gente desampare, mesmo que por um tempo, que sigamos adiante, que deixemos o vento levar. E se não existir vento, que a gente faça ventar.

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